Este 25 de Abril de 2022 é uma data simbólica porque vamos ultrapassar o tempo em que vivemos em ditadura, a ditadura mais longa da Europa Ocidental, que sobreviveu ao tempo das ditaduras fascistas, mesmo depois da segunda guerra mundial, em que muitos depositaram esperanças de que aqui se restaurasse a democracia, como noutros países da Europa.
Vivemos hoje 48 anos de democracia, apesar de muitos problemas não estarem resolvidos.
Mas não podemos esquecer os 48 anos de ditadura antes do 25 de Abril de 1974 que nos legaram um passado de que ainda sofremos consequências.
Chegámos ao 25 de Abril com a maior taxa de analfabetismo de toda a Europa, cerca de 40 %, num país com uma emigração fora do comum, sendo Paris a segunda cidade do mundo com mais portugueses, muitos dos quais viviam em bidonvilles, bairros de lata, semelhantes aos inúmeros que grassavam à volta de Lisboa. Um país onde quase metade do orçamento de estado era gasto na guerra, nas guerras coloniais, na Guiné, em Angola, em Moçambique, para onde eram mobilizados todos os jovens do sexo masculino, por três ou quatro anos (alguns ainda mais), com exceção dos poucos que não tinham o mínimo de condições físicas ou tinham algum padrinho do regime. Um país onde não se podiam fazer greves ou manifestações, com prisões políticas e torturas já sofisticadas, onde se impunha um medo quotidiano, não apenas pela ação da polícia política, mas por toda uma rede de informadores, alguns que denunciavam o vizinho, que ficava com a vida desgraçada, por vezes a troco de quase nada.
Um país também onde grassava a corrupção, mas que não existia oficialmente, porque a censura não deixava passar as possíveis notícias, como censurava não apenas quem sonhasse com a democracia, como as notícias das inundações onde morreram centenas de pessoas afogadas pelas cheias, as lutas dos estudantes, os operários que reivindicavam melhores salários, habitação, emprego. Também não existiam suicídios, porque a censura não deixava passar, os mortos e estropiados da guerra quando apareciam em notícias caiam no rol dos acidentes, culpa dos próprios. Os escritores tinham os livros apreendidos. O lápis azul era arbitrário.
A maioria não tinha direito a voto e as eleições, quando havia, eram fortemente controladas, levando a vagas de prisões e perseguições de toda a ordem.
Muitas profissões eram vedadas às mulheres e se quisessem um emprego ou sair do país tinham que ter autorização dos maridos. O divórcio na prática era proibido, porque não era permitido nos casamentos católicos, a maior parte e os filhos fora do casamento eram discriminados.
Vivia-se menos tempo, morria-se por doenças hoje facilmente curáveis, passava-se frio, a maioria das casas não tinham água nem saneamento básico. Sobrevivia-se ou emigrava-se.
A revolução do 25 de Abril construiu outro país, com a participação de muitos que nunca tinham tido voz ativa.
Mesmo com dificuldades, mesmo com retrocessos, hoje há direitos que antes eram quase impossíveis, como o direito à Saúde e Educação e a Liberdade de Expressão.
Honremos também aqueles que lutaram por isso, durante dezenas de anos, não apenas os mais conhecidos, mas tantos anónimos. Merecem que a nossa memória os recorde.