A previsibilidade

Crónica de Opinião
Quinta-feira, 09 Abril 2020
A previsibilidade
  • Eduardo Luciano

 

 

Era mais do que expectável que começariam a chegar as mensagens directas ou subliminares com o objectivo de cavar divisões entre os que vivem do trabalho.

É sempre assim em momentos de crise. Atirar os que ganham 1000 contra os que ganham 500 como forma de proteger os que sem trabalhar ganham milhões.

Os “opinadores” do costume já começaram a lançar as habituais atoardas contra os que têm emprego público, os que trabalhando no sector privado estão a ser poupados ao desemprego ou à perda de rendimentos e desta vez até os pensionistas são alvo da fúria supostamente igualitária destes justiceiros cegos de um olho.

O apelo do esforço distribuído por todos não passa de uma forma pouco inteligente mas muito apelativa de desviar os olhares da fonte das desigualdades e dos que acumularam riqueza mais do que suficiente para que todos tivessem uma vida digna.

À boleia deste esforço vem o ataque aos que sabem ler, mobilizando os que não sabem, com a palavra intelectual a soar a insulto nas suas bocas, sabendo que isso, com a simplificação da linguagem até ao nível do grunhido, lhes garante simpatias dos que mais tarde ou mais cedo serão devorados quando as liberdades forem suprimidas.

Tudo isto está a acontecer de forma muito rápida e à boleia do mais implacável dos medos: o medo de morrer.

Seria previsível que assim acontecesse mas ainda me consigo espantar por tal onda estar a arrastar pessoas que pela sua formação e por terem tido oportunidade de ver mundo deveriam estar vacinadas contra este vírus.

Os tempos que que vão seguir a esta pandemia vão de ser de luta, arrisco eu, de vida ou de morte da liberdade. Já chegámos aquele ponto em que apoiantes da ditadura fascista afirmam ameaçadoramente “quando isto virar…”. E esta é a fronteira que não pode ser ultrapassada sob pena de termos fogueiras de livros na praça pública e de homens e mulheres privados da liberdade.

É agora que talvez alguns descubram que a cultura é um elemento fundamental na construção da barricada da liberdade e que a possam valorizar como até aqui não o fizeram.

Temos hoje as pessoas que vivem da actividade cultural numa situação particularmente difícil, no limiar da sobrevivência, quando parece ser a cultura que mantém o sentido de humanidade de quem está retido em casa, através da música, dos livros, dos filmes, das visitas virtuais a museus, do olhar sobre uma qualquer reprodução de pintura a que já não se dava atenção desde o dia em que foi pendurada.

Talvez agora percebam o valor do dinheiro investido na cultura e talvez agora compreendam como é errada a mensagem de menos cultura e mais alcatrão.

Como disse lá atrás os tempos que se aproximam são de vida ou de morte não apenas da ideia de liberdade, mas da liberdade como a desejamos.

Vemo-nos por aí. Do mesmo lado da barricada, espero eu.

Até para a semana

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