Vivo com prazer nesta cidade, de dimensão certa, onde ainda nos encontramos e trabalhamos a distâncias humanas, onde de repente ainda podemos encontrar um amigo com saudades de acerto de proza e no imediato, sentar entre um vinho e um petisco, que inevitavelmente se prolongará por um saboroso jantar, ou onde o passeio à fresca, à volta da muralhas, na ecopista ou por entre ruas e travessas, nos transportará inevitavelmente por entre os sempre surpreendentes desenhos da cidade ao entardecer, desembocando tantas vezes num inesperado momento, de uma canção de rua ou de um espetáculo na praça, numa expetativa vulgarmente comum e com o epílogo mais ou menos previsível, sempre deixado ao sabor da leve brisa que nos alivia o espírito, sem pressa, até que a noite desista, por fim. Tudo isto à distância de 10 minutos, bem ou mal contados, por quem aproveita o vagar de que tanto e bem, agora se fala.
Ainda anteontem, por entre o vulgar e o quotidiano espanto de me concretizar vivendo assim nesta magnífica cidade, dei por mim com mais uma agradável surpresa, que tanto me agrada aqui partilhar.
Ali mesmo junto ao Teatro Garcia de Resende, passava eu lentamente, tentando vislumbrar os próximos eventos que acontecerão no palco desta singular peça arquitetónica, emblemático exemplar dos teatros neoclássicos do século XVIII, um dos mais representativos teatros à italiana existentes em Portugal e em toda a Europa, que só por isso já mereceria qualquer visita. Claro está, sempre mais brilhante quando a cortina se levanta e o palco se ilumina pelas luzes da ribalta, sempre magistralmente concretizadas pela fantástica equipa que ali trabalha, aqueles que dia e noite nunca deixam nada ao acaso e que sempre, fazem brilhar o palco no seu maior esplendor, entre a luz e a sombra, a cor e a ausência, mais do que em qualquer outro lado e em tudo o que por ali se passa, nas músicas, nas danças, no teatro, no que for.
Devemos estar muito orgulhosos por isso mesmo. Já agora e a este propósito posso aproveitar para vos dizer, uma vez que lá passei, que a partir de dia 19 até dia 27, teremos ali o Festival Imaterial, que nos apresenta talvez uma das mais significativas amostras da música do mundo, num acontecimento imperdível, que não dispensando a ida a Sines, nos traz aqui mesmo, ao nosso teatro, todo um universo de música, que para não voz cansar mais, apenas vos digo, chega de Portugal, Marrocos, Geórgia, Burkina Faso, Mali, India, Irão, México, Extremadura, Burundi, Curdistão, Grécia e Letónia… e logo depois, a partir de dia 6 de junho, teremos a BIME, a Bienal Internacional de Marionetas de Évora. Acho que chega e que valerá a pena por lá passar. Em todo o caso, ficam aqui as notícias, particularmente para os menos atentos que ainda acham que não se passa nada.
Sim, neste teatro, que só faz parte da Rota Europeia de Teatros Históricos, temos tido a possibilidade de usufruir de uma programação de elevadíssima qualidade, graças à descentralização promovida pela Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses, criada e patrocinada pela Direção Geral das Artes e em igual e indispensável medida, patrocinada pela Câmara Municipal de Évora, que tornou possível, com o seu elevado e esforçado investimento, a presença na nossa cidade da mais alta programação cultural, dos mais importantes espetáculos e acontecimentos culturais de relevo do país, em nada ficando a dever ao que se vai passando na capital do reino ou nas terras normalmente privilegiadas do litoral, razão pela qual devemos prestar mais atenção ao que ali se passa, razão pela qual nos devemos aproveitar disso mesmo e deixar as lamúrias provincianas para mais tarde e acima de tudo, disfrutar. É também a razão pela qual passo amiúde por aqueles lados.
Tudo isto para dizer que já ia eu deixando o teatro e atravessando o Jardim das Canas, projeto de autor também singular da cidade, quando deparei com a já terminada recuperação do tanque de água ali criado na altura, desativado há muito e que finalmente se encontra de novo em funcionamento, integrado no trabalho geral de recuperação de áreas verdes, que prossegue, executado por meios próprios do Município, que pelos vistos, já os tem de novo. Sim, porque isto não se faz por magia, ainda que tão perto do teatro.
Está ótimo, tal como grande parte dos fontanários e chafarizes da cidade, entretanto recuperados e que visivelmente reflorescem a cidade.
Mas o que quero assinalar, por fim, é que todo este trabalho só foi possível com a firme e decisiva recuperação da economia da cidade e assim, do seu brilho, que se observa em todos os cantos. Apenas não o vêm os que não querem ver, apenas os que insistem em não reconhecer e até agradecer o trabalho realizado, tentando como sempre, trazer tudo para trás, para longe da urbanidade cosmopolita, rica e diversa, integradora, que queremos.
Como já o fizeram antes, até quase ao ponto de não retorno. E como quererão voltar a fazer… se os deixarmos. É bom não esquecer.
Até para a semana!