Condição: Trabalhador agrícola migrante

Crónica de Opinião
Segunda-feira, 03 Maio 2021
Condição: Trabalhador agrícola migrante
  • Maria Helena Figueiredo

 

 

Neste 1º de Maio, Dia do Trabalhador, celebraram-se as conquistas dos trabalhadores e assinalaram-se também as muitas lutas e o percurso que temos de fazer para que quem trabalha veja reconhecidos os seus direitos.

Mas foi também neste primeiro de Maio muita gente acordou para a situação dos trabalhadores migrantes que vêm para o Alentejo para os trabalhos agrícolas nas culturas superintensivas que enxameiam algumas zonas, e muito em especial, para a situação dos trabalhadores migrantes das estufas do sudoeste alentejano.

Foi a pandemia de Covid 19 e a cerca sanitária montada por causa da situação critica que atingiu as freguesias de S. Teotónio e Longueira/Almograve, no concelho de Odemira, que despertou muita gente para a situação dramática e indigna, que há muito se vive naquela zona.

São cerca de 10 mil, nos períodos de apanhas de frutos vermelhos são contratados mais 7 ou 8 mil trabalhadores, os trabalhadores agrícolas que trabalham nas estufas e vivem amontoados em casas degradadas, sem condições sanitárias, ou nos cerca de 270 contentores instalados nas explorações agrícolas, alguns destes contentores acomodando cerca de 20 trabalhadores. Trabalhadores que estão completamente desprotegidos, não falam português e que são transportados em carrinhas com a lotação completa as estufas.

Apesar de o Governo nos últimos dias ter anunciado várias medidas, designadamente o ministro Gomes Cravinho ter anunciado a criação de uma task-force multidisciplinar para resolver esta questão, a verdade é que nada do que se está a passar é surpresa para o Governo, nem a própria task-force é uma novidade.

A zona das estufas é uma bomba-relógio sanitária e social, conhecida há anos pelo Governo que, de facto, tem vindo a fechar os olhos ao que se passa, omitindo a tomada das medidas que se justificam para dar condições dignas a quem trabalha, pôr fim à sua guetização e à situação complicada que a população vive com a ruptura de serviços não dimensionados para o aumento de população.

Uma situação que já em 2015 levou à criação de um grupo de trabalho entre Município, vários serviços do Ministério da Agricultura e outras entidades para resolver a situação do alojamento dos trabalhadores, em muitos casos ilegalmente alojados em contentores junto às estufas, no próprio local de trabalho.

Mas em vez de ser encontrada uma solução digna, em 24 de Outubro de 2019, uma Resolução do Conselho de Ministros acabou por dar cobertura à ilegalidade de alojamento em contentores nas explorações do perímetro de rega do Mira, ao estabeleceu um “regime especial” que considerou os contentores onde estes trabalhadores eram obrigados a viver como “estruturas complementares à actividade agrícola”, admitindo a sua utilização para até seis mil pessoas, e chamou a esta medida uma medida provisória mas que podia durar 10 anos.

Uma medida que levou o Bloco de Esquerda a exigir sua a revogação e que o Governo procedesse ao estudo de condições condignas que garantissem o respeito pelos direitos dos migrantes.

Com o eclodir da pandemia, face à falta de condições sanitárias em que a maioria vive, era previsível a transmissão de Covid 19, pelo que, logo em Março de 2020, o Bloco questionou o Governo e as autarquias de Odemira e Aljezur sobre as medidas específicas para travar o contágio que seriam adoptadas.

Igualmente o movimento Juntos pelo Sudoeste apelou à Associação Empresarial local, que agrega os maiores produtores e empregadores destes trabalhadores agrícolas, que fizesse um comunicado para tranquilizar a população sobre os planos de contingência que estavam a adoptar, apelo que não teve resposta.

1 ano depois, foram os números dos contágios que obrigaram o cerco sanitário e encontrar alojamentos para travar a propagação de covid 19.

Agora todos têm conhecimento da situação desumana em que vivem os trabalhadores agrícolas migrantes e deixaram de ter desculpa para não pôr travão a tantas situações de quase escravatura que se vivem nos campos do Alentejo e que nos envergonham enquanto Estado de Direito.

Até para a semana.

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