Há tantos assuntos a chegarem à praia do cronista e a deixarem tanta espuma na sua areia imaginada que decidi não escolher nenhum e falar de livros.
Começo exactamente por “O vício dos livros” de Afonso Cruz. Um conjunto de notas apresentadas com a sensibilidade e erudição com que o autor nos habituou a mostrar um outro lado do mundo que a nossa estúpida pressa impede de saborear.
Um dos textos é sobre gatos e a sua relação com escritores explorando a curiosidade e a forma sinuosa como os gatos caminham, como características comuns às duas “espécies”.
Na nota de rodapé desse bocadinho de prosa, Afonso Cruz cita o escritor Amos Oz “Permitam-me sugerir que a curiosidade, juntamente com o humor, são dois antídotos de primeira linha ao fanatismo”.
Durante um jantar de trabalho um dos elementos presentes lembrou-se e lembrou-me das Memórias de Adriano, de Marguerite Yourcenar e uns dias depois fui buscar o exemplar que repousava na estante há algumas décadas esperando uma segunda leitura.
Descobri que o livro tinha mudado durante a minha ausência ou eu tinha mudado desde a primeira leitura, porque li coisas que ou me escaparam da primeira vez ou não lhes atribuí o mesmo significado.
Yourcenar coloca na pena de Adriano as seguintes palavras: “E foi assim, com uma mistura de reserva e audácia, de submissão e revolta cuidadosamente concertadas, de extrema exigência e prudentes concessões, que eu, finalmente, me aceitei a mim próprio.”
Ah Adriano, se ainda por cá andasses para explicar como se consegue esse desiderato sem estar protegido pelas vestes de Imperador de Roma.
Por último deixem-me falar-vos de um livro que descobri na semana passada e que trata de um tema sempre actual: a estupidez.
Intitula-se mesmo “A psicologia da estupidez” e é um conjunto de textos diversos autores, organizados por Jean- François Marmion.
De António Damásio a Edgar Morin, entre mutos outros, surgem análises diversas sobre o tema abordado sob o ponto de vista da sociologia, da filosofia, das neurociências, da comunicação, da psicologia e até a figura do “jovem conservador de direita” dá uma perninha, ou melhor, uma palavrinha sobre o assunto.
É verdade que durante a leitura da alguns destes ensaios poderemos sentir-nos ligeiramente estúpidos, mas esse sentimento só vem demonstrar que não somos completamente estúpidos.
Logo na Advertência inicial, Marmion avisa que “a dúvida enlouquece, a certeza estupidifica”. Avisa também que não vale a pena tornar racional o estúpido. Diz o cavalheiro “…tentem melhorar um estúpido e, não contentes com o fracasso, irão reforçá-lo e imitá-lo. Só havia um estúpido, agora há dois. Lutar contra a estupidez reforça-a. Quanto mais se ataca o ogro, mais ele canibaliza”.
Quem diria que vos ia oferecer uma crónica sobre livros. Mas era assim ou ia acabar na tentação de ser estúpido e falar de cartazes de 8×3 metros.
Até para a semana