Morreu Eduardo Lourenço

Nota à la Minuta
Quarta-feira, 02 Dezembro 2020
Morreu Eduardo Lourenço
  • Alberto Magalhães

 

 

Eduardo Lourenço morreu na madrugada do 1º de Dezembro, com 97 anos. Deixa uma obra enorme de que outros falarão melhor que eu. Com algum egoísmo aproveito-me da ocasião para ler algumas palavras de um ensaio seu de 1989 (ano da queda do Muro de Berlim, repare-se), intitulado A Esquerda como problema e como esperança”, publicado pela Gradiva em 2009, num livro de ensaios políticos com o título A Esquerda na Encruzilhada ou Fora da História?.

“Não se pode ganhar uma partida de xadrez sem que o adversário cometa erros. Esta máxima não é apenas verdadeira para o mais subtil e cruel dos jogos que os homens inventaram. Se neste momento a Esquerda europeia está, ou parece estar, numa situação particularmente melindrosa, é talvez apenas por ter imaginado que os erros ou pecados políticos, sociais e económicos só podiam ser cometidos pela Direita ou, talvez melhor, que a Direita era a expressão, nessa ordem, da História como pecado. Consciente e convicta – não sem fundas razões, que convém repensar – de representar a consciência aguda da injustiça, da opressão, do privilégio inaceitável, a Esquerda viveu-se durante os quase dois séculos da sua manifestação histórica […] como se estivesse imune, por princípio, ao erro, ao desvio, à desfiguração, ou até à traição ao ideário transparente com que se definiu.

Quando erros, desvios ou horrores demasiado gritantes afectaram esta ideia imaculada de si mesma, a esquerda tinha sempre a possibilidade de os inscrever na categoria do acidental, do mal necessário, da inexperiência, ou considerá-los como resposta à violência nunca extinta ou ao maquiavelismo ingénito de um adversário, descrito de uma vez por todas como anti-História. Este comportamento voluntarista, necessário para fazer face a esse Direita – expressão efectiva de um poder discriminatório, […] – acabou por perverter aos poucos e enfraquecer por dentro a razão de ser de uma esquerda que nascera como consciência crítica e legítima desse poder”.

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