Ontem morreu um dos músicos portugueses que eu mais acompanhei e admirei durante 50 anos, José Mário Branco. A minha relação com ele começou em 1971, quando lançou o seu primeiro álbum, Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades, e foi responsável pela escalada a um novo patamar de riqueza musical da obra de José Afonso, com a produção desse álbum maravilhoso intitulado Cantigas do Maio. Em 1973, apressei-me a comprar Margem de Certa Maneira, mas também o fantástico Venham Mais Cinco, que o Zeca gravara, também debaixo da sua batuta.
Em 1977-78, cruzámo-nos pela primeira vez, na FAPIR, uma organização filha da UDP, que dava pelo nome, meio aberrante, de Frente dos Artistas Populares e Intelectuais Revolucionários e era liderada pelo Hélder Costa. O grupo de teatro A Comuna, o GAC, liderado pelo José Mário, e o meu grupo amador de teatro, o Caricatura, faziam parte. Nessa altura, tínhamos em cena A Mãe, um espectáculo baseado no romance do Gorki e na peça do Brecht. Apresentámo-la na Comuna e penso termos servido de inspiração para o espectáculo que, meses depois, o grupo começou a preparar, com canções do José Mário.
Voltámos a cruzar-nos quando, já em meados dos anos 80, o grupo de teatro eborense, A Plebe, com a colaboração de alguns voluntários – entre os quais o José Faustino e eu – montou um café concerto no Monte Alentejano, em pleno Rossio de São Brás. O Zé Mário esteve na noite de abertura e foi um êxito estrondoso, que até meteu o FMI no encore.
Quer os seus álbuns de originais, todos fabulosos, quer a produção de imensas obras de outros cantores, como José Afonso, Sérgio Godinho, Fausto, Amélia Muge, Janita Salomé, Carlos do Carmo, Ana Moura, Camané e, por último, Katia Guerreiro, chegam para fazer de José Mário Branco um gigante da música popular portuguesa. Morreu aos 77 anos com um AVC, mas a obra fica.