Ontem, morreu o padre Feytor Pinto, convencido de que encontrará no céu trouxas de ovos, entre outras delícias. Foi, toda a vida, um entusiasta do Concílio Vaticano II e durante 30 anos coordenador da Pastoral da Saúde. Em 1992, assumiu o Alto Comissariado do ‘Projecto Vida’, de prevenção e combate à toxicodependência. Nesse papel, aceitou a distribuição de seringas e o uso de preservativo, por causa da SIDA, e a terapia de substituição com metadona, bem como as propostas de descriminalização do consumo de drogas proibidas, que acabaram por ser um sucesso em Portugal. Também se distinguiu como membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, morreu “uma das figuras mais importantes da Igreja Católica portuguesa dos últimos 50 anos”. Tive a oportunidade de o defrontar três vezes. A primeira em 1990, nas primeiras Jornadas de Medicina Familiar do Distrito de Évora. O tema do debate – “Porque é que muitas utentes não utilizam a consulta de Planeamento Familiar?” – hoje pode fazer sorrir, mas, na altura era muito sério. Os obstáculos psicossociais, incluindo os religiosos, eram enormes. Embora ainda pense que os meus argumentos eram certeiros, a sensação que me ficou foi a de ser amigavelmente esmagado pela retórica de Feytor Pinto.
Em 1994, novo encontro, na Escola Severim Faria. Em debate “O sexo na adolescência”. Discurso inicial brilhante de Feytor Pinto, que me competia comentar. Comentei: – O senhor padre falou de amor, falou de valores, mas não pronunciou uma vez a palavra ‘prazer’. Em 2008, cruzei-me com ele pela última vez. No Casino da Figueira da Foz. A convite do meu amigo Carlos Pinto Coelho, coube-me comentar, mais uma vez, a conferência do sacerdote sobre a sexualidade. Desta vez, estranhamente, não o acusei de não falar de prazer. Eu próprio, das últimas vezes que falara sobre sexualidade e educação sexual, falara mais sobre ‘respeito’ que sobre ‘prazer’. Respeito por nós próprios e respeito pelos outros, basilar em qualquer interacção sexual.
Apesar de continuarmos a ter opiniões diferentes sobre o assunto, eu estava mais próximo do padre Feytor Pinto do que, uns anos antes, poderia ter imaginado.