O 25, os discursos e os pormenores

Crónica de Opinião
Quinta-feira, 29 Abril 2021
O 25, os discursos e os pormenores
  • Eduardo Luciano

 

 

Este ano as comemorações do 25 de Abril tiveram algumas novidades ao nível dos discursos. Não serão bem novidades, mas antes atrevimentos mais desabridos por parte dos que aproveitam a data para comemorarem outra coisa qualquer e atacarem a data que se comemora.

É já uma tradição que alguns metam Novembro no saco de Abril ou melhor, queiram que Abril se perca na bruma de Novembro não resistindo à tentação de tentar glorificar a data simbólica da contra revolução no dia da comemoração da Revolução. Qualquer coisa equivalente à glorificação da monarquia invocando os bons princípios republicanos em pleno cinco de Outubro.

A diferença é que o atrevimento subiu de tal forma de tom que chegou ao desplante do ataque aberto aos valores conquistados em Abril e não falo apenas dos miseráveis discursos da extrema-direita parlamentar.

Com as honrosas excepções do costume parece ter havido um certo comedimento na afirmação do que a Revolução nos trouxe, uma certa contenção envergonhada nas comparações com o corrupto regime fascista que se instalou no nosso país durante 48 anos.

Esse comedimento resultou numa estranha quase unanimidade em torno do discurso do Presidente da República que levou aos maiores encómios expressos pelos comentadores mais à esquerda ou mais direita, talvez por dificuldades de leitura nas entrelinhas da ideologia inerente à posição política de Marcelo Rebelo de Sousa.

Esperem, segundo estes unanimistas o Presidente deu uma aula de história tocando apenas no que supostamente é consensual e, portanto, terá sido ideologicamente neutro. Ou é cegueira, ou é ignorância ou é mesmo manhosice interpretativa porque o homem pareceu pretender, naquele assomo de suposta coragem, quando referiu a figura paterna como ministro da ditadura e apelou à aceitação do passado sem julgamentos à luz da vida presente, enterrar sem julgamento histórico os crimes cometidos durante os 48 anos de ditadura. Talvez esteja errado, talvez esteja a fazer juízo de intenções mas foi mesmo ao que me cheirou.

Não resisto à tentação de referir talvez um dos poemas mais citados nos discursos daquele dia como muleta para afirmação de que a liberdade não é apenas de expressão, mas que para ser a sério tem de trazer consigo melhores condições de vida para povo.

Quantos discursos por esse país fora não tiveram pelo meio as palavras do Sérgio Godinho, da canção “Liberdade” retirada do álbum “à queima roupa” para mostrar que só há liberdade a sério quando houver…

Num desses discursos a que tive o privilégio de assistir a oradora cometeu um pequeno lapso, ou cirúrgico esquecimento.

Após um discurso cheio de referências que acompanho e saúdo, lá veio a citação da canção do Sérgio:

“Só há liberdade a sério quando houver

A paz, o pão

habitação

saúde, educação

Só há liberdade a sério quando houver

Liberdade de mudar e decidir” e ficou-se por aqui a citação.

Faltou o pormenor que nos diferencia. A última linha do refrão: “quando pertencer ao povo o que povo produzir”.

É só um pormenor, eu sei. Como a diferença entre a chuva de Abril e a chuva de Novembro.

Até para a semana

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