O elogio da estultícia

Crónica de Opinião
Quarta-feira, 08 Março 2023
O elogio da estultícia
  • Maria Paula Pita

 

 

Em Portugal, a censura atravessou os séculos até ao nosso tempo.

Censura tem a sua origem etimológica no latim, tal como a maioria das palavras em português. Significa repreensão ou reprimenda e é uma forma de restrição da liberdade de expressão e do conhecimento, utilizada como arma, em especial, nos regimes totalitários. Uma população que não tem acesso à informação, ou melhor, à liberdade de informação, é uma população inculta e pouco esclarecida, facilmente controlada e  manipulada pelo governo.

Encontramos em Portugal dois arquétipos que se vieram refletir no século XX: a Censura Inquisitorial que funcionou entre os séculos XVI e a primeira parte do século XVIII e a Real Mesa Censória criada pelo Marquês de Pombal que a substituiu. Já no Estado Novo, a censura tinha uma função social definida na Constituição de 1933, “impedir a perversão da opinião pública …deverá ser exercida por forma a defendê-la de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum, e a evitar que sejam atacados os princípios fundamentais da organização da sociedade”.

Nos nossos dias, a liberdade e a democracia são trespassadas por uma forma de censura justificada pelo politicamente correto, pela necessidade de uma minoria estender a sua ideologia a uma maioria que se deixa contaminar com medo de ficar mal na fotografia, com medo de não ser suficientemente moderna.

Passa-se com o revisionismo, o negacionismo histórico e com a interpretação dos factos históricos à luz do ideário de hoje. Há quem defenda a alteração do nome da Praça do Geraldo e da heráldica da cidade, para satisfazer mentes pequenas que consideram dois símbolos da cidade um apelo à violência e intolerância religiosa.

Atualmente há uma nova forma de censura que não sei como denominar. Acontece em todos os media, mas principalmente na literatura. Os livros, por iniciativa de alguns “experts”, vão ser alterados e revistos porque são utilizadas palavras e atitudes que, nos dias de hoje, podem ser consideradas ofensivas ou racistas pelos  leitores. Pegam-se em obras literárias, de autores que já não fazem parte deste mundo não se podendo pronunciar, e alteram-se palavras e frases que alteram o contexto, de forma a que o leitor não se sinta ofendido. 

Na Inglaterra, Roald Dahl, autor aclamado, apreciado pela juventude e com algumas obras adaptadas ao cinema, viu as suas obras sofrerem alterações. O “gordo” passa a “enorme”, “terrivelmente gorda e terrivelmente flácida” passa agora a ser “bruta”e que “merece ser esmagada pela fruta”, “rapaz/rapariga” passa a ser “pessoa”, feio é proibido, assim como qualquer alusão a racismo. Também a obra de Ian Fleming, o do James Bond, para além da revisão, vai ter um aviso aos leitores, alertando-os para aspetos e situações que lhes podem causar desconforto. Não faltará muito para que as obras de Homero, Virgílio, Dante, Camões, Shakespeare, Pessoa… verem as suas obras alteradas e mutiladas para não melindrar os leitores.

Resumindo, vivemos um período em que a estultícia prevalece, já que não posso escrever a palavra que o designa.

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