Se há catalisador do pior que os seres humanos podem ter dentro de si, esse título vai para o medo.
É o medo de que o outro ocupe o espaço que julgamos nosso que promove a xenofobia. É o medo do julgamento social que leva alguns (muitos) a não fazerem o que acham certo mas a optarem por aquilo que acham, à partida, aceitável pelas convenções vigentes.
É o medo de perder eleições que faz com que alguns tomem as piores decisões apenas porque acham que as melhores não são as mais populares.
É o medo que faz com que pessoas razoáveis e inteligentes se transformem em progenitores afectados pela “síndrome da hiperparentalidade” transmutando os seus filhos em flores de estufa e as outras crianças em ameaças permanentes.
É o medo de ficar só que faz com que alguns suportem a maior das solidões, passando a vida a derramar azedume sobre quem está à sua volta, como se vivessem com um citrino embutido numa qualquer parte recôndita do corpo.
É da soma de muitos medos, que resultam em supostas opiniões muito assertivas, que nascem os movimentos de massas que acabam em fascismos assentes no ódio mais básico à diferença, ao pensamento complexo e à linguagem que não se resuma ao binário verdadeiro/falso.
Toda esta conversa vem a propósito do incutir de uma sistemática cultura do medo por parte da comunicação social dominante, com a proliferação de notícias (é um eufemismo) sobre assaltos, homicídios, incêndios, quase quedas de aviões que afinal não caíram e de terríveis epidemias que contaminam cidadãos que afinal não estão contaminados.
Chego a imaginar um chefe de redacção de um qualquer tablóide a gritar para dentro da sala de trabalho: vamos lá procurar uma notícia que assuste esta malta, que eles ficam presos à pantalha como nos filmes de terror.
Nos últimos dias é isto que tem acontecido com o coronavírus e as possibilidades de uma pandemia à escala global que afinal parece não se concretizar.
Claro que temos de estar informados sobre a evolução do alastrar da contaminação viral, mas valerá a pena abrir um telejornal com a notícia que um cidadão foi internado com a suspeita de estar infectado, para umas horas depois noticiar que afinal não estava?
Em que é que a primeira notícia contribuiu para proteger fosse quem fosse? E se não tivesse sido dada a primeira notícia será que fazia sentido dar a segunda?
Nada disto parece fazer sentido e somos levados a pensar que os órgãos de comunicação são dirigidos por dementes que promovem o medo pelo medo.
Mas não é verdade. Não só não são dementes como sabem muito bem o que fazem e sabem que o medo é catalisador e paralisante em simultâneo. Promove o pior de nós e inibe-nos de fazer o que devemos e isso dá um jeitão à onda de neofascismo em ascensão.
Aos que sentem medo mas não se deixam aprisionar nas suas teias, deixo aqui ficar uma novidade que provavelmente já sabem: qualquer dia morremos, com ou sem medo, por isso o melhor é fazermos o que tem de ser feito e dizermos o que tem de ser dito.
Até para a semana