À interrupção das crónicas não correspondeu a extinção da pandemia ou o aligeirar da situação, antes pelo contrário, mas é graças à sua existência que existiu mais visibilidade para realidades que habitualmente a maioria se esforça por nem se lembrar.
Os surtos em “lares” de idosos trouxeram para a ribalta noticiosa as condições em que os nossos velhos estão enclausurados ao fim de uma vida inteira de trabalho com salários que não correspondem ao trabalho prestado e que resultam em reformas muitas vezes abaixo do limiar da subsistência.
Muitos opinaram sobre o problema dos “lares” de idosos, relacionando-o directamente com a pandemia, transmitindo a ideia que tudo estaria normal se não existisse o malvado vírus.
Lamento, mas o problema dos “lares” de idosos não é a pandemia. É mesmo a sua existência nas condições em que a maioria labora e a pandemia apenas veio agravar.
A inexistência de uma rede pública de equipamentos de apoio aos mais velhos, deixando à iniciativa privada com ou sem fins lucrativos uma tarefa que estes assumem como assistencialista e que deveria ser uma a concretização de um direito constitucional a garantir pelo Estado só pode levar ao agravar no final de vida das profundas desigualdades sociais com que conviveram desde sempre.
O problema da maioria dos lares não é o Covid. É a sobrelotação, são as condições precárias de instalações, são os baixos salários pagos a cuidadores, é o regime de trabalho intensivo que resulta do número insuficiente de trabalhadores contratados, é a ausência de programas ocupacionais que garantam um final de vida tão activo quanto possível, é a confusão entre o que é voluntariado e o que são prestações de serviços.
A pandemia apenas veio agravar tudo isto pelas exigências sanitárias que impõe.
Há excepções? Haverá certamente, mas na sua maioria não estão ao alcance das reformas miseráveis pagas por vidas inteiras de trabalho.
Somos um país em crise demográfica e em envelhecimento acelerado e as respostas para garantir um final de vida com dignidade aos que já não conseguem níveis de autonomia que lhes permitam ficar na sua casa não podem ficar entregues a boas vontades caritativas e a esforços mais ou menos voluntariosos. Não pode ser um favor, deve ser uma obrigação social a cumprir.
Exigimos uma escola pública de qualidade que garanta a formação integral dos nossos jovens, exigimos um serviço nacional de saúde público que cuide de nós na doença sem perguntar pela cobertura de um qualquer seguro, mas esquecemo-nos demasiadas vezes de exigir uma rede pública de apoio aos mais velhos e dependentes. Gostamos muito de apostar no futuro mas esquecemo-nos de garantir que os que construíram o nosso presente têm o direito de viver com dignidade até ao último segundo da sua vida.
Até para a semana