Nas últimas semanas agravou-se a dramatização das mensagens em torno da pandemia, com alguns aproveitamentos que, embora esperados, não deixam de revelar de que lado estão e que interesses defendem.
Voltámos às aberturas de telejornais com números, curvas, achatamentos, quase criminalização de infectados e aos recados paternalistas do Presidente da República, onde se misturam números de diversas origens, mortos de aquém e além-mar, Tudo isto é de tal maneira embrulhado que ficamos com a sensação que os portugueses estão a cair que nem tordos, confundindo infectados com doentes e vivos com mortos.
A situação é grave e com excepção dos negacionistas do costume ninguém tem dúvidas que é necessário agir de forma responsável, evitando proximidades excessivas e ter todos os cuidados que as autoridades de saúde recomendam, sob pena do nosso serviço nacional de saúde claudicar perante a pressão a que está sujeito.
Tudo isto é legítimo, necessário e faz naturalmente sentido.
O que deixa de fazer sentido é quando se mistura alarmismo e paternalismo, se pede bom senso e se age como se apenas existisse uma dimensão na vida: a segurança.
As tentações securitárias acentuam-se há medida que cresce o medo e se secundariza a liberdade e essa mensagem é passada aos mais velhos mas também aos mais jovens que são obrigados a abdicar da sua condição de criança para passarem ser pequenos agentes de saúde pública.
Noticiou-se ontem que uma criança de 12 anos tinha sido punida com uma sanção disciplinar por ter partilhado o seu lanche com outro colega menos afortunado. Um acto que há um ano atrás seria elogiado leva hoje a uma punição como se de um crime se tratasse, em nome de uma segurança que não respeita o limite da solidariedade, da amizade, do altruísmo, da liberdade para agir bem.
Estamos num processo de domesticação galopante e temos já a constituição de grupos de vigilantes que espreitam e denunciam o que entendem colocar em causa a santa segurança tentando impedir qualquer acção que interpretem como errada à luz do que ouviram no telejornal do dia anterior.
Só conheço uma forma combater esta paranóia: é exercendo todos os direitos ainda que com todas as precauções e desmontando títulos de notícias com “Portugal em calamidade” a propósito das medidas anunciadas ontem pelo primeiro-ministro.
Se não o fizermos, quando sairmos desta pandemia a única liberdade que nos resta é a de trabalhar e respirar devagarinho.
Da última vez demorámos quarenta e oito anos para recuperar a ideia de que a segurança não está primeiro.
Despeço-me com números, que é coisa que não gosto de fazer. Em 2018 morreram vítimas de pneumonia 5764 pessoas numa média de 15 pessoas por dia, sendo que em Janeiro do mesmo ano a média diária de mortos foi de 27.
A situação é diferente, bem sei, mas ainda assim…
Até para a semana