Para muita gente falar de orçamento de Estado é coisa pouco motivadora e até incompreensível e que interessa apenas às pessoas mais ligadas à política.
Nada mais errado. É no Orçamento de Estado que, no fundo se definem as grandes e as pequenas questões que vão nortear a nossa vida colectiva – e tantas vezes a vida concreta de cada um de nós: Que impostos vamos pagar e vamos todos pagar? Haverá professores suficientes e pessoal auxiliar nas escolas porque neste momento cerca de 40.000 alunos ainda não têm todas as aulas? Vamos ou não ter mais médicos porque há mais de 1 milhão de cidadãos sem médico de família? E os Hospital vai poder contratar pessoal, técnicos e médicos especialistas? Aumenta a idade da reforma e que pensão vai ser paga? A que prestações sociais podemos aceder e durante quanto tempo se perdermos o emprego?
E se é sempre importante, o orçamento para 2022 é especialmente importante. Porquê?
Porque o último ano e meio foi de grave crise pandémica, económica e social e é este orçamento que nos dá a oportunidade de recuperação económica do país, sem que seja à custa de salários muito baixos, de corrigir as desigualdades e minorar a pobreza.
Isto porque é o último ano em que o pacto de estabilidade está suspenso e em que o Governo pode adoptar medidas estruturais de recuperação sem violar as regras de Bruxelas. É isso que outros países europeus estão a fazer, estão a aproveitar esta última oportunidade para fazer orçamentos de investimento.
E por cá? A proposta de orçamento do Governo do Partido Socialista foi anunciada como ambiciosa, mas temos um orçamento de contenção que não introduz as alterações estruturais que são necessárias para que os trabalhadores e reformados vejam uma real melhoria e aumento de rendimento.
A negociação com os partidos à esquerda do PS começou tarde e sabemos que estes processos negociais são difíceis e longos, mas o Governo esperou pelo resultado das eleições autárquicas para negociar.
Os partidos à esquerda foram apresentando os seus cadernos de encargos para a negociação e apesar da enorme insuficiência do orçamento em várias áreas como a crise energética o Bloco de Esquerda limitou a nove medidas nas áreas essenciais para viabilizar o Orçamento de Estado: Serviço Nacional de Saúde, Segurança Social e Trabalho.
E ao contrário do que o Governo diz, foi muita a pressão para negociar por parte do Bloco. O Governo rejeitou todas as propostas e fala agora de medidas que vai adoptar mas que são medidas “ao lado”, que dão a aparência de resposta às propostas do Bloco.
Servem para pôr a responsabilidade de um chumbo do orçamento na oposição e não na sua teimosia e irredutibilidade. Algumas destas medidas não tem aplicação ou a sua execução vai além da vigência do Governo, que portanto não pode garantir que sejam cumpridas.
É o caso da criação da carreira de técnico de Saúde que o governo admite começar a estudar para o ano com vista a uma criação no futuro ou a rejeição da proposta de exclusividade para os médicos a que o Governo contrapõe a “dedicação plena” ou seja um aumento de horário de trabalho com aumento da remuneração mas mantendo o trabalho no privado.
Quanto à legislação laboral o Governo rejeita negociar e nem sequer aceita o aumento da compensação por despedimento de 12 para 30 dias ou mesmo 20 dias, uma alteração que o próprio Partido Socialista defendeu quando era oposição.
Em contrapartida o Governo anunciou alterações ao IRS, designadamente introdução de 2 escalões, aumento de deduções por dependentes ou IRS Jovem, correspondentes a 205 milhões, muito menos que em 2018. Claro que todas as melhorias de rendimentos, mesmo as pequenas, são importantes, mas é possível fazer melhor. Com os novos escalões os impactos são pequenos, um rendimento de 1.500 euros mensais brutos tem um benefício de 15 euros mês e só os rendimentos a partir de 5.000 euros mensais têm ganhos importantes. Mas para os benefícios fiscais atribuídos a residentes não habituais o Governo reservou 770 milhões de euros.
Negociar significa aproximar posições, foi o que aconteceu em 2015 e que permitiu que durante 4 anos se caminhasse para a recuperação de rendimentos dos trabalhadores e pensionistas. Entendimento implica uma solução aceitável para todas as partes.
O Governo escolheu o caminho de rejeição das propostas do Bloco de Esquerda e com isso empurra-o para o voto contra o orçamento, mas ainda é possivel um entendimento. Esperemos.
Até para a semana