É penoso ver o Partido Socialista, que se manteve durante anos como esteio da liberdade em Portugal, escorregar cada vez mais para posições de afronta a direitos, liberdades e garantias fundamentais, invocando desculpas securitárias e até mesmo, com despudor, a defesa de direitos humanos.
Tenho insistido em referir os inúmeros atropelos à Lei fundamental, praticados a coberto do combate à pandemia, “diga a Constituição o que diga”, como resumiu, lapidarmente e com grande sentimento de impunidade, António Costa. Mas ultimamente o PS, governo e bancada parlamentar, tem seguido a receita utilizada a pretexto do Covid, no contexto de outras putativas pandemias, como seja a das fake news, da corrupção ou dos crimes cibernéticos.
Escondido no meio das boas intenções da, pomposamente chamada, “Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital”, está o pavoroso artigo 6º, que diz que “o Estado apoia a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados”, o que leva o jornalista Barata-Feyo a lembrar que o Avante, o Povo Livre e o Acção Socialista, orgãos oficiais do PCP, do PSD e do PS, estão “devidamente registados”. Depois, continua o artigo 6º, o mesmo Estado “incentiva a atribuição de selos de qualidade” a estes caçadores de mentiras, boatos e mitos, por parte de “entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública”. Uma espécie de Quadro de Honra do comportamento, como disse, há dias, António Barreto. Mas, o pior do artigo 6º é quando define o objectivo disto tudo: defender-nos a nós, os tolinhos, a opinião pública, da “desinformação (…) que seja susceptível de causar prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos”. Em resumo, a Carta, fruto dos projectos do PS e do PAN, foi aprovada por unanimidade e, sabe-se agora, alguns deputados votaram sem a ler. Marcelo parece que também a tresleu antes de a promulgar. Depois, pensou melhor e enviou-a para o TC. José Magalhães, o principal defensor da lei diz que ela, como está, sem regulamentação, é inaplicável e, portanto, não faz sentido declará-la inconstitucional.
Ainda pior que isto, a alteração ao artigo 17º da Lei do Cibercrime, que o Presidente enviou, quarta-feira, dia 4, para fiscalização preventiva do TC. Ao arrepio do Código do Processo Penal, do parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados, da jurisprudência recente do Tribunal de Justiça da UE e até ao arrepio de José Magalhães, dá ao Ministério Público o poder de devassar a correspondência electrónica de alguém, sem prévia autorização de um juiz de instrução. Aprovada pelo PS, PAN, PCP e Bloco, é um esmagador exemplo de como a esquerda anda preocupada com a Liberdade. Não, não se atrevam a dizer que não recebem lições de democracia de ninguém. Infelizmente, estão mesmo a precisar.