“Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.” Diz a Constituição da República Portuguesa.
Mas o preceito constitucional choca com a realidade. Em Portugal, apenas 9 % do parque habitacional é público. O que contrasta com os 29% da “liberal” Holanda ou os 24% da Áustria onde uma forte presença do estado na habitação remonta aos anos 20. Em Viena, 40 % da população vive em habitação pública.
O acesso à habitação em Portugal foi, depois do 25 de abril, objecto de políticas públicas de onde ressaltam o programa de apoio às Cooperativas de Habitação Económica, o regime de Contratos de Desenvolvimento de Habitação, financiando a promoção privada de habitação de custos controlados, e o Serviço de Apoio Ambulatório Local, que tinha como objetivo apoiar iniciativas com forte participação dos interessados e dirigido às populações mal alojadas, em particular nas grandes cidades.
No final dos anos 80, a política de habitação passou a ser desenhada em função dos incentivos fiscais para aquisição de habitação própria num movimento que se acentuou durante a década de 90.
Nos últimos anos, a habitação tornou-se parte do problema de endividamento do país ao mesmo tempo que se transformou numa forma de investimento financeiro e não numa forma de provisão pública deste bem essencial, num movimento imparável e que afecta, praticamente todas as cidades europeias, com particular impacto nas capitais.
O mercado de arrendamento, pese embora sucessivas alterações legislativas, também não respondeu às necessidades, acentuando a sua dualização.
O efeito conjugado destas políticas começa agora a emergir: para uma fatia importante da população portuguesa o acesso à habitação tornou-se difícil, ou cada vez mais distante.
Na passada semana, mais um estudo revelou o que todos sentimos: comprar uma casa fica mais barato do que arrendar em todas as capitais de Distrito, exceptuando Lisboa. A maior parte dos jovens não consegue encontrar uma casa para viver e os Bancos recusam-se a negociar as rendas que vão ficando cada vez mais incomportáveis. Como se não bastasse, o Banco Central Europeu anuncia uma nova subida das taxa de juro.
Fica impossível comprar. Fica impossível arrendar. Enquanto isso, há quem se aproveite de benefícios fiscais e da incapacidade da maioria para fomentar segmentos de luxo e para estimular uma especulação pornográfica.
É, por isso, central evitar que as casas sejam um activo financeiro para os muito ricos e para os fundos financeiros. Uma das propostas apresentadas pelo Bloco de Esquerda é simples e é feita à semelhança de dezenas de países pelo mundo fora: limitar a compra de habitação a não residentes (que apenas o fazem para promover a especulação), permitindo libertar estas casas para quem vive do seu trabalho. Será que o PS terá coragem de enfrentar os tubarões e proteger a habitação enquanto direito fundamental?
Mas temos de ir mais longe: concretizar a lei de bases da habitação, construir um parque público de habitação e impedir o abandono do edificado deverão ser as prioridades políticas nos próximos anos.
Ser possível viver no país onde se trabalha é o mínimo que se exige num país que se quer minimamente decente.
Até para a semana!